domingo, junho 13, 2004

Tudo o que temos cá dentro



Deixei crescer dentro de mim um fascínio indeciso, queria estar com a Rita e afastar-me para sempre, o meu rosto encontrava à noite o dela em sonhos agitados que me deixavam esgotado. Estava quase sempre alerta, como a defender-me de um perigo que não conseguia concretizar, dominava a minha angústia com cigarros e álcool. Não a amo, não a posso amar, foi uma curte e um caso sexual, tenho dezassete anos e não sei o que é o amor, vou-me embora de vez, quero voltar ao colégio inglês e estar de novo com a Catherine, vou agradar aos meus pais e vencer o 12º ano, ser professor universitário de Literatura Portuguesa, talvez mais tarde publique um livro e seja célebre... por isso preciso de paz, arranjar uma miúda que não exija muito de mim, descansar.
"A Rita começou a andar atrás de mim e eu a fugir. Bem explicava ao telefone que tudo tinha corrido o melhor possível, mas que não gostava o suficiente para poder andar com ela.
...
"Uma semana depois daquela noite disse pela primeira vez que se ia matar.
"Naquele momento não liguei muito, agora vejo que a deveria ter levado a sério, o que me faz sentir cada vez pior.
...
"Lembro-me que em dia estava à minha espera à saída das aulas. Chamei logo pelos meus amigos para não a enfrentar sozinho. Achei-a mais magra e com ar abandonado...
"- Dá-me uma oportunidade, Nuno, dá-me só uma oportunidade. Não consigo esquecer-te, só me apetece morrer, se calhar é a última vez que estás a olhar para mim.
...
No dia seguinte a Leonor acordou-me pelo telemóvel. Tinha estado com a Rita e achava que ela precisava de ajuda. Um caderno da escola com o meu nome escrito dezenas de vezes, pedaços de letras de canções a falar de amor e de morte, pedidos insistentes para não contar a ninguém.

[... A mãe da Rita estava sentada de costas para a porta do café e tinha umas chaves na mão. Quando me sentei na sua frente vi que tinha estado a chorar, pois tinha os olhos inchados e um lenço de papel amarfanhado em cima da mesa.
- Nuno, a Rita suicidou-se ontem e foi tudo por tua causa. Deixou esta carta para ti...]

Daniel Sampaio- TUDO O QUE TEMOS CÁ DENTRO

O meu livro...É tudo o que tenho cá dentro.

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