terça-feira, novembro 02, 2004

Diferentes drogas na musica

O psicólogo Victor Silva investigou o consumo de substâncias em “trance”, “tecHno” e “house”

«Havendo três tipos de música electrónica diferentes, será que as pessoas que gostam de um ou outro estilo são diferentes? Consumirão drogas diferentes?». Foi esta a pergunta do psicólogo Victor Silva que originou uma investigação científica que durou três anos. Os resultados são surpreendentes e vieram confirmar que o uso recreativo de drogas em “trance”, “house” e “techno” é distinto.

Um cartaz a anunciar uma grande festa numa discoteca do Norte do País, com três DJs diferentes para as áreas de “trance”, “house” e “techno”, despertou o interesse de Victor Silva em estudar o uso recreativo de drogas nesses espaços. Foi este o tema da sua dissertação apresentada a 5 de Julho na Faculdade de Psicologia e de Ciência da Educação da Universidade do Porto, para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia, especialização em comportamento desviante — toxicodependências. Durante três anos, aquele jovem madeirense, que actualmente está a trabalhar no Porto, fez uma incursão pelas subculturas da música de dança electrónica mais “curtidas” em Portugal: o “trance”, o “house” e o “techno”.

Este foi um trabalho que lhe valeu um “Muito Bom”, por unanimidade, e é um dos primeiros no nosso país que distingue o uso de drogas em três tipos de música de dança. É que, como explicou à “Olhar”, «muita gente não sabe distinguir a música de dança e acontecia o mesmo comigo e acontece com muita da literatura que é publicada, não só em Portugal como lá fora. Associa-se a música de dança ao “ecstasy” e principalmente à música “house”, coisa que na realidade não é. Por isso, esta tese acaba por ser quase um mapa», referiu.
Uma das conclusões que retirou da sua investigação é que existem três subculturas de música de dança: o “trance”, que está associado à espiritualidade, o “house” à sensualidade e o “techno” à energia. No entanto, para chegar a esta conclusão, Victor Silva esteve dois anos a percorrer várias festas e a falar com pessoas que pertenciam a essas subculturas. «Tive que fazer um grande trabalho de ganhar confiança com eles, por isso é que também demorou tanto tempo a fazer a tese. Não é só chegar e observar, há um trabalho prévio de preparação muito grande de conhecer as pessoas, de começar a fazer relacionamentos e até amizades, de começar a perceber como aquilo funciona, porque depois conseguimos chegar ao que realmente interessa», contou Victor Silva. À procura da face de Deus
Uma das subculturas mais surpreendentes é o “trance”, já que estas pessoas procuram encontrar, através da música psicadélica e das drogas, a face de Deus. Victor Silva conta que as verdadeiras festas “trance” são realizadas fora das zonas citadinas em contacto com a natureza e que, por vezes, até é muito complicado lá chegar. «Lembro-me de uma a que fui e demorei cinco horas a chegar ao sítio da festa de carro», relata.
O psicólogo conta que nas festas menos divulgadas «é preciso conhecer as pessoas para apanhar informação. A propaganda começa com um folheto na concentração musical anterior e depois, pelo número de telemóvel, vamos tendo as indicações sucessivas até chegar ao local da festa», acrescentou.
Como o uso da droga nesta subcultura tem o objectivo explícito da procura, as substâncias mais consumidas são os cogumelos mágicos e os ácidos, «ou seja, as drogas psicadélicas de viagem. E principalmente com o ácido há muito a questão de ter experiências transcendentais e espirituais, de ver a face de Deus, que é um dos valores da própria cultura», acrescentou Victor Silva. Isto para além do consumo de haxixe (“cannabis”) que é «completamente transversal, hoje em dia, em Portugal», apontou o psicólogo.
O “trance” nasceu em Goa, na Índia, junto da comunidade “hippie”, que lá existe desde os anos 60, daí que a espiritualidade esteja presente nesta subcultura.
Música de imagem
No caso do “house”, Victor Silva concluiu que há uma ligação muito forte à «sensualidade e à sexualidade, à moda, ao estatuto e à imagem». As pessoas que pertencem a esta subcultura são mais urbanas e interessadas nas últimas tendências em termos visuais. Por isso, consomem mais cocaína e “ecstasy”, isto para além do haxixe.
O psicólogo explica que «a cocaína está muito associada ao estatuto social, mesmo dentro desta subcultura, como também fora, porque é uma das drogas mais caras. Um grama de cocaína pode chegar aos 75 euros, comparando com 10 a 15 euros para a heroína».
Mesmo assim, Victor Silva faz no seu trabalho uma diferenciação dentro do “house”: “underground” e o “hard house”. É que os mais jovens preferem uma música mais pesada, por isso consomem mais pastilhas de “ecstasy” MDMA, até por ser mais barato. «Faço esta distinção entre MDMA e outras pastilhas, porque, hoje em dia, é raro encontrar “ecstasy” puro no mercado, por ter muitas substâncias misturadas. Geralmente são mais anfetaminas do que “ecstasy” e às vezes até com substâncias muito perigosas para a saúde», alertou.
No caso das pessoas mais velhas, que têm um estatuto social mais elevado e, por conseguinte, um maior poder de compra, o consumo incide mais na cocaína, «mas isto não quer dizer que toda a gente que vá a festas consuma drogas», distinguiu.
O “speed” do “techno”
O “techno” é uma música minimalista, repititiva e que, de acordo com Victor Silva, está mais ligada aos jovens de classes socioeconómicas mais desfavorecidas. «Estou a falar de jovens de bairros sociais, onde por essa via há quase que uma resistência aos valores superiores e aqui no “techno” a energia está mais relacionada com as pastilhas, mais anfetaminas, mais “speeds” do que outras coisas, não propriamente o “ecstasy”».
Alguns dos entrevistados de Victor Silva revelaram que consumiam até 12/13 pastilhas por festa, isto num período que vai desde a meia-noite ao meio-dia, do dia seguinte.
«Estão constantemente a consumir pastilhas, a violência é muito patente e tem a ver com a defesa do próprio território, por isso, as pessoas de fora são mal vistas», explicou. Nesta subcultura, a parte estética é muito importante, no entanto, como pertence mais à classe trabalhadora, «a questão da territorialidade do outro acaba por ser mais forte».
«Se no “trance” esta diferenciação é feita pela via da filosofia, se no “house” é feita pelo estilo da roupa que se usa, no “techno” acaba por haver uma questão muito mais de violência», comparou o psicólogo.
E estas subculturas são “frequentadas” por todo o tipo de pessoas e de diferentes idades. «No “house” há principalmente uma maior diversidade de origem socioeconómica, no “techno” já nem tanto, no “trance” são geralmente estudantes universitários, com um nível intelectual mais elevado», diferenciou.
Todavia, o seu trabalho incidiu também nos DJs, sendo que neste grupo «a cocaína é associada a uma questão de criatividade para conseguir fazer melhores faixas, melhores músicas». Pragmatismo na prevenção Victor Silva já tem apresentado a sua investigação em várias conferências sobre toxicodependência nos mais diversos pontos do País e aquele psicólogo, com especialização na área clínica, admite que a reacção das pessoas tem sido muito boa. «Os técnicos, o que dizem é que já era necessário tentar perceber, porque nem toda a gente tem consciência de que as coisas são assim. Até é muito bom para a prevenção e tratamento», explicou. Uma das novas situações que estão a ocorrer por entre os jovens que consomem droga é que tem havido uma tendência decrescente no consumo de heroína, no entanto, estão a começar a surgir os primeiros problemas com pessoas que ingerem pastilhas e ácidos. Neste sentido, Victor Silva defende que é preciso conhecer os contextos para intervir em termos de prevenção. E até exemplificou que «não vale a pena falar a uma pessoa do “trance” sobre cocaína, porque pura e simplesmete não consome. É por isso que é preciso conhecer a própria cultura para não andarmos a impingir informação que as pessoas vão à partida rejeitar». Neste sentido, o psicólogo entende que, «acima de tudo, é preciso um grande pragmatismo na área da prevenção. O discurso do “Não à Droga” não funciona». Até porque, lembra, o tráfico de pastilhas começa a ser um problema de saúde pública, já que algum produtor pode misturar substâncias que são prejudiciais à saúde. «Basta haver um lote de pastilhas “marado” numa “rave” com 30 mil pessoas, para que aconteçam muitas mortes. Já aconteceu na Bélgica e na Holanda. É preciso que a informação seja muito pragmática e avisar as pessoas que possam consumir, mas com menos riscos», defendeu. Mas para isso tem de haver testes às pastilhas, pelo menos dias antes das festas, isto porque não há forma de distinguir uma boa de uma má pastilha, com os efeitos que as pessoas pretendem. Victor Silva salienta que isto não é um apelo ao consumo, mas uma forma de correr menos riscos. «Pode ser aspirina, cafeína, pode ser uma infinidade de coisas e pode ser até MDMA puro, não se sabe o que acontece, muitas vezes é confiar na pessoa que vende», acrescentou. “Más viagens” originam problemas psiquiátricos Sublinhando que existe diferenças entre usar a droga e deixar que a droga nos use, Victor Silva explica que as drogas que são consumidas em ambiente de festa não dão dependência. «Por exemplo, no caso do “trance”, consumir drogas já faz parte da cultura, onde há um grande respeito, porque, se a pessoa utilizar a droga de uma outra forma que não com o objectivo da procura, arrisca-se a ter más experiências». Na sua investigação no terreno, o psicólogo encontrou algumas pessoas que tiveram uma “má viagem”, o que desencadeou perturbações psiquiátricas graves ou até mesmo de esquizofrenia. «Cheguei a ver no “techno” e no “trance” algumas pessoas com problemas psiquiátricos e, das pessoas que eu entrevistei, cada uma delas conhecia pelo menos mais duas ou três que tinham tido problemas ou que estavam com problemas relacionados com o uso de drogas», relatou. No entanto, conta que numa das festas de “trance” a que assistiu confirmou que a música é realmente hipnótica. «Esta é uma música construída para levar ao transe e então com a associação de drogas psicadélicas ainda mais». Neste sentido, conclui que «a música está associada ao próprio tipo de drogas que é utilizado, se o “house” dá para mexer mais as ancas, há mais sensualidade, se o “techno” é mais violento, é mais para abanar a cabeça e os braços e mais energia. E cá está a associação entre as drogas e a música». Do pouco que tem visto na Madeira, o psicólogo afirma que estas subculturas ainda não têm “raízes” na Região. No entanto, tem acompanhado pela comunicação social que tem havido muitas apreensões de pastilhas. «Isto é uma zona turística que tem uma noite que não envergonha ninguém, estou a falar das “Vespas”, que é a “catedral” da “dance music” aqui, mas parece-me que o “techno” e o “trance” da forma como existe no continente e até no resto da Europa ainda não está a entrar muito. O que existe aqui está muito ligado ao “house”», acrescentou. Continuar no terreno A trabalhar na área da prevenção e toxicodependência no Instituto da Droga e da Toxicodependência do Porto, Victor Silva gostaria de continuar o seu trabalho de investigação sobre o uso recreativo de drogas. «Gostava de continuar nesta área, se calhar, a fazer mais investigação de terreno, que é o que realmente gosto de fazer, e acho que é necessário em Portugal e no resto do Mundo também. Nós temos muitos números e sabemos quantas pessoas é que consomem e com que idade é que consomem, mas não sabemos o que está por detrás dos números e é preciso que cada vez mais as pessoas fiquem entusiasmadas por este tipo de trabalho, que não é fácil, que exige muita dedicação e muitas noites perdidas, mas que acaba por ser compensador em termos de conhecimentos do que se está a passar na sociedade». Entretanto, vai trabalhando na área da prevenção e da toxicodependência no Instituto da Droga e da Toxicodependência do Porto.

Boa iniciativa e assino por baixo embora teja algumas coisas generalizadas no fundo é bem assim =)

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