Desisti de trabalhar para os outros e abri um escritório em Campanhã entre um salão de jogos e uma loja de carimbos. Dá só para o essencial, um telefone avariado e um cinzeiro. Mas insisto numa mesa e numa cadeira. Apesar do protesto das baratas. Elas não vencerão. Comprei um jogo de máscaras. No meu trabalho o disfarce é essencial. Para escapar dos credores. Outro dia entrei na sala e vi a máscara do King Kong a andar pelo chão. As baratas estavam a roubar as máscaras. Pisei meia dúzia. As outras estavam a atacar a mesa. Consegui salvar a minha Bic e o jornal . O jornal era novo, só tinha uma semana. Mas elas levaram a agenda. Sai a ganhar. A agenda estava em branco. O meu último caso tinha sido com uma funcionária da Erótica, a primeira óptica da cidade com balconista em topless. Acabara mal. Prata. Manél Prata. Está na plaqueta.
Estava a fazer as palavras cruzadas que salvei das baratas, quando ela entrou pela porta. Mulher muito bonita, sete letras. Estouro.
- Prata? Manél Prata?
- Sim ? reconheci.
- Você parece o King Kong.
Tirei a máscara. Ela deu um gritinho de susto.Logo se recompôs. Não tinha onde sentar. Pensei em oferecer o meu colo, mas podia ser mal interpretado. Sugeri que ela se sentasse na minha cadeira e eu sentasse no colo dela. Mas ela viu as baratas e saltou para cima da mesa. Sempre achei que ?pernas?, seis letras, nem sempre eram a palavra certa para membros inferiores femininos. Pernocas, isso sim. Cada pernoca.
- Elas estão a subir por baixo da minha saia!
Era a minha mão, mas não desfiz o engano.
- Calma, calma ? disse enquanto subia para cima da mesa também.
Agarrei-a pela cintura. Ela agarrou-se ao meu pescoço. Procurei o fecho do vestido.
- Não há perigo? ? Perguntou ofegante.
- O quê, as baratas? ? Disse eu rindo nervosamente ? Nenhum. Mas é melhor não descer da mesa. Algumas são carnívoras.
Ela deu outro grito. Consegui abrir o fecho. Perguntei em que lhe poderia ser útil. Ela disse que estava à procura do marido. Perguntei o que a fazia pensar que ele estivesse no meu escritório. Ela disse ?não? eu disse ?deixa?. Ela disse não, não pensava que ele estivesse ali, queria que a ajudasse a procurar. Pedi para ela o descrever. Ela disse mnhswrdfras omhdfras msafads. O vestido estava-lhe a tapar a cara. Depois de o tirar ela repetiu: ? Baixo, gordo, careca??
- Tem a certeza que o quer encontrar? ? gemi.
- Sim eu quero!
Amamo-nos loucamente em cima do jornal.
Prata. Manél Prata. Está na plaqueta.
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