Mais um episódio do que tem sido a minha vida
Tenho andado cheio de trabalho, mandei desbaratizar o meu escritório. Fica algures em Campanha. Entre uma Sapataria e um reputado Calista. As baratas venceram os desinfestadores antes que eles pudessem começar. Foi melhor assim. Eu não ia ter dinheiro para lhes pagar. Depois deste episódio com os desinfestadores as baratas começaram uma campanha. Cada vez que eu me mexia elas corriam, fingindo terror: para me fazerem sentir como um monstro. Conseguiram. Prata.Manél Prata. Está na plaqueta.
Estava a apagar as palavras cruzadas do jornal para fazer outra vez quando ela entrou pela porta. Se era bonita? No dia em que Deus expuser os seus trabalhos, escolhe-a para a capa do catálogo. E falava!
Loira. Nórdica. Grande. Mais alta que eu. Podia aninhar a minha cabeça entre os seus seios sem me baixar mas talvez não fosse prudente.
- Prata? Manél Prata?
- Não vale, viu a plaqueta.
Eu sou assim. Rápido. Mordaz. Tenho um certo charme rude. Sorrio para o lado.
Ela não sorriu. Pelo contrário estava quase a chorar. Pensei em saltar por cima da mesa arrancar-lhe o vestido, beija-la dos pés à cabeça, qualquer coisa para a consolar. Ela continuou.
- Preciso de si
- Depois vemos isso. Primeiro os negócios.
- No diploma diz?
.- Os diplomas dizem muita coisa ? interrompi ? mas o que importa é o ser humano.
Aquilo pareceu impressiona-la. Ela sorriu. Um sorriso tão bonito que o rabo dos meus olhos começou a abanar de alegria.
- Eu quero? - começou ela.
- Eu também ? disse eu.
- Eu quero saber se pode aceitar um caso.
- Preciso de consultar a minha agenda.
Lembrei-me, tarde demais, que as baratas tinham roubado a minha agenda para fazer uma cabaninha. Fechei os olhos e fingi que tinha a agenda memorizada na cabeça. Depois de uma rápida consulta, abri os olhos outra vez. Primeiro um, depois o outro. Charme.
- Acho que posso. Quer ter um caso? Quer dizer? Qual é o seu caso?
- Na verdade não é um caso. São vários. E não são meus, eu represento pessoas.
Ergo a sobrancelha como Bogart. Sempre que quero mostrar perplexidade. Só que às vezes, perco o controlo e, em vez da sobrancelha, mexo a orelha.
- ?Pessoas?!? - indaguei abanando a orelha.
- Importantes.
- ? Importantes?!? ? Desta vez mexi a sobrancelha, mas não a que queria.
- Sabe guardar um segredo?
Fiz a minha cara de cofre. Ela atirou-se para cima de mim. Rasguei-lhe as roupas. Rabisquei o meu nome, com a ponta do nariz, entre as suas omoplatas. Elas gostam disso. Prata. Manél Prata. Está na plaqueta.
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