O meu último caso
Neste escritório que compartilho com uma colónia de baratas na nobre zona de Campanha, só há lugar para uma mesa, uma cadeira e um arquivo de metal. Comprei o arquivo para guardar uma garrafa de bagaço, mas ultimamente só tem servido para as minhas pastas. Tenho os meus casos catalogados. Todos sob P. Pagos, Pendentes e Perdidos. Experimentei ter secretária para me ajudar a organizar o arquivo. Correu mal. O escritório era demasiado pequeno. Tive que escolher. Ela ou a mesa. E a mesa tinha gavetas. Prata. Manél Prata. Está na plaqueta.
Fiz -lhe uma proposta. Ela continuava a morar comigo pelo dobro do salário, que era zero, incluindo os encargos sociais. Em troca do seu corpo eu deixaria que ela cozinhasse e limpasse a casa. Ela não aceitou. Não percebi. Aprisionei uma barata e estava a tentar fazer entender, por mímica, que só a devolveria em troca da minha agenda. Quando a porta se abriu. Conhecem a Mónica Belucci? Não era ela. Era uma ruiva. Mas servia.
Entrou em etapas. Primeiro a frente. Cinco minutos depois chegou o resto. Ela já tinha começado a falar há meia hora, quando consegui levantar os olhos para a sua cara. Linda. Tentei acompanhar a sua história. Algo sobre um marido desaparecido. Pensei em perguntar se ela tinha procurado bem dentro da blusa, mas ela podia não entender. Era uma cliente.
- Sente-se.
- Não há cadeira.
- Hmm. Vi que era do tipo difícil.
Ofereci a minha cadeira para ela sentar e sentei na mesa. Primeiro, para poder olhar o decote de cima. Segundo, porque não tinha outra cadeira. Ela continuava a falar. O marido tinha desaparecido. Ela não queria avisar a polícia para não causar um escândalo. Espreitando o decote, perguntei:
- O que vocês querem que eu faça??
Vocês??
Você. A senhora.
Ela queria que eu investigasse o desaparecimento. Deu-me uma fotografia do marido. Nomes. Endereços. Amigos dele. O lugar onde ele trabalhava.
- Alguma pergunta??
Preciso ser indiscreto. Pense em mim como um padre.
Ela fez um esforço, mas acho que não conseguiu. Mandou-me continuar.
- Vocês se davam bem? Não tinham discutido?
Ela baixou os olhos. Por alguns minutos, ficamos os dois a olhar para a mesma coisa. Foi quando confessou que o marido não a queria mais. Tinha hábitos estranhos. Gostava de coisas exóticas. Ela descruzou as pernas e cruzou outra vez. Agarrei-me ao arquivo.
- Sexualmente falando, entende? - Disse ela, falando sexualmente.
- Gulp!
Tinha o corpo bem torneado, firme e roliço como uma vitela. E eu não comia há dois dias. Há meses que não comia nada sólido. Exceptuando a secretária. A fome dava-me um ar romântico e misterioso. Isso tinha efeito sobre as mulheres. Queriam me dar compreensão. Fazer confidências.
- Preciso muito de si.
- Posso fazê-la feliz. Fazê-la a descobrir uma vida nova, intensa, essencial. Longe de banalidades como segurança financeira e refeições regulares?
Sorrio para o lado.
- Shhhh! Faça amor comigo.
Prata. Manél Prata. Está na plaqueta.
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